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terça-feira, 1 de maio de 2012

CHICO HERÁCLIO, O ÚLTIMO DOS CORONEIS BRASILEIRO

Ao contrário de outros coronéis tardios, que não sobreviveram à modernização do país, Francisco Heráclio do Rego, o Coronel Chico Heráclio, soube usar as mudanças vividas pelo país entre as décadas de 1930 a 1960 (abertura de canais de comunicação e transporte com a capital, decadência da importância do setor agrário, aumento da importância do setor de serviços e desenvolvimento industrial) para manter seu poder. Alguns de seus métodos eram coação, adulteração de documentos, favorecimento pessoal aos eleitores.
Na sua época, Limoeiro foi município de prestígio econômico. Chegou a ser uma das maiores economias de Pernambuco (hoje tem o 32º PIB do Estado), tendo produzido muito algodão – cultura que foi destruída pela praga do bicudo. Além de ter perdido importância econômica, a infra-estrutura urbana de Limoeiro se tornou muito carente. O Rio Capibaribe, que corta o município, é atravessado por uma ponte de mão dupla com apenas uma faixa (para os dois sentidos). O abastecimento de água está prejudicado e chega a cessar.
A desigualdade social é visível: bairros muito pobres convivem com um bairro muito rico, cujas casas não perdem em nada para as grandes mansões dos bairros ricos das metrópoles.
Sob o mando de Chico Heráclio, Limoeiro também viveu o auge de seu prestígio político. Além de eleger prefeitos em Limoeiro e região e de fazer a carreira política dos filhos Francisquinho e Heráclio (deputado estadual e federal, respectivamente, por diversos mandatos), o Coronel exerceu influência decisiva na política pernambucana e chegou até a receber a visita de Juscelino Kubitschek (o primeiro presidenciável a visitar Limoeiro; o segundo foi Aécio Neves).
Para garantir a eleição dos seus candidatos “o processo é muito simples”, disse o próprio coronel à Revista Manchete, resumindo as estratégias de coação, fraude e favor:
“Eu e mais alguns amigos damos transporte aos eleitores. Mando um boi para cada seção eleitoral e às vezes mando cachaça para depois das eleições. Não admito fiscal de nenhum partido. Eleição em Limoeiro tem que ser feita por mim. Sempre fiz e nunca me dei mal”¹.
Outra arma política de Chico Heráclio era propaganda e difamação em formato impresso: os famosos panfletos do Coronel. Quase sempre o conteúdo desses panfletos eram ofensas a rivais – com muito palavrão – ou exaltação de si e dos seus candidatos.
Como Chico Heráclio era analfabeto, o texto era ditado. Ora os panfletos eram anônimos, ora tinham foto de Chico Heráclio e firma reconhecida. Eram distribuídos pelo próprio Coronel pela janela de seus carros ou entregue por correligionários.
A estratégia dos panfletos foi copiada nas eleições de 2008 pelo candidato Zé Higino. Um deles, que recebi “quentinho” – recém-saído da gráfica – em visita ao comitê eleitoral do candidato, e que foi distribuído em uma passeata de campanha, abordava justamente a polêmica da retirada dos banners do PSDB com Lula durante a visita de Aécio.

 

Um pouco de sua História

Francisco Heráclio do Rêgo, filho de João Heráclio Rêgo (Pai Laquinho) e Josefa Duarte do Rêgo (Mãe Zefinha) nasceu no dia 3 de outubro de 1885, no município de Bom Jardim, Pernambuco.

Teve onze irmãos: Basílio, Antonio, Jerônimo, José, Maria (conhecida por Mã), Josefa (conhecida por Josefina), Isaura, Josefa (chamada de Finha para distinguir da outra Josefa), Amália, Dorotéia e outra Maria.

Francisco nasceu na propriedade do velho Joca da Salina, seu avô. Posteriormente seus pais se estabeleceram na Fazenda Vertentes, no mesmo município de Bom Jardim, onde permaneceram até o final da vida, ficando este local conhecido como “Vertentes do Heráclio”.

         Os pais de Francisco, com sacrifício colocaram todos os filhos, para estudar no Recife, com exceção de Basílio que já havia casado. As filhas estudaram internas no Colégio das Damas da Irmandade Cristã, aprenderam a tocar piano e concluíram o curso pedagógico; Antonio e José concluíram o curso secundário no Recife e se formaram em Medicina no Rio de Janeiro; Jerônimo concluiu o equivalente ao curso científico e abandonou os estudos e Chico mal fez o curso primário e voltou para junto dos pais.

         Acostumado com a vida do campo, não se adaptou à vida da cidade grande. Pegou a maxambomba (trem) e voltou para a Fazenda Vertentes, onde se tornou o braço direito do pai.    

Para poupar seu pai, Chico ia sempre a Limoeiro fazer as compras a cavalo. Numa dessas viagens, na volta, parou em Bom Jardim e deparou-se com um homem que estava vendendo, por baixo preço, doze garrotes magros. Como não tinha dinheiro, providenciou um empréstimo com Silvio Mota, velho conhecido de seu pai, residente em Bom Jardim.

         Quando chegou na Fazenda Vertentes trazendo os animais magros, o pai quis saber de quem era aquela boiada e ele contou os detalhes do seu empreendimento. Três meses depois, os animais já bem nutridos foram vendidos por mais de três vezes do valor comprado. Chico pagou o empréstimo a Silvio Mota e daí em diante não faltou mais dinheiro em seu bolso.

         Francisco Heráclio do Rêgo casou três vezes. A primeira, com D. Maria Miguel, no religioso (na época não havia união com efeito civil) que logo morreu e não lhe deixou filhos. A segunda, com D. Virgínia, com quem casou na igreja e posteriormente no civil, dando-lhe quatro filhos: Heráclio Moraes do Rêgo, Francisco de Moraes Heráclio, Luiz (que morreu ainda jovem) e José de Moraes Heráclio. O terceiro casamento, só no religioso, foi com D. Consuelo, que lhe deu um filho – Francisco Heráclio do Rêgo Filho.

         Fora estes, Francisco Heráclio do Rêgo ainda teve mais sete filhos fora do casamento: Josefa (Lulito), Walter, José Francisco (Zé Pequeno), Severina, Gerson Alexandre, Reginaldo (Pequeno) e Reginaldo (Meninão). A todos estes foi reconhecida a paternidade,  para efeito de habilitação no inventário.

         Estava com 18 anos quando durante suas viagens para Limoeiro conheceu a jovem Maria Miguel por quem se apaixonou e casou, porém a mulher adoeceu de febre amarela e morreu ainda na lua-de-mel. Chico ficou muito deprimido e voltou para Vertentes do Heráclio.  O pai, para animá-lo, presenteou-o com uma vaca leiteira que, com os cuidados de Chico, logo aumentou a produção de leite e, conseqüentemente, a de queijo e de manteiga.

         Quando chegou o inverno de 1907, Chico Heráclio decidiu voltar para Limoeiro. Levou consigo Manoel Mariano (seu fiel ajudante), duas vacas e algum dinheiro no bolso. Chegando no Cumbe, arrendou um roçado do Dr. Severino Pinheiro, que era um político de prestígio, rico fazendeiro e poderoso comerciante de Limoeiro.

         O ano foi bom para Francisco. Choveu quando necessário e fez sol na época certa, possibilitando a colheita de milho, feijão, fava e algodão em abundância. Durante as entressafras, ele saía a cavalo pelos engenhos da redondeza, comprando e vendendo gado, cavalos, burros e, principalmente, ferro-velho, tachos, caldeiras, tubulações, maquinário imprestável.

         Francisco tinha um primo, Pompílio, que participava de alguns de seus negócios, emprestando dinheiro e apresentando-o aos senhores de engenho de Nazaré, Aliança, Carpina e Vale do Sirigi, garantindo por ele e arranjando-lhe bons negócios, muito contribuindo para sua ascensão social.

         Por outro lado, o homem forte de Limoeiro, Dr. Pinheiro, dava total cobertura a Francisco na região mais agreste, junto a fazendeiros e comerciantes. Já se comentava àquela altura, nas altas rodas da Capital, da existência de Chico Heráclio.

         Chico sempre vinha ao Recife vender o ferro-velho aos atacadistas. A sucata era transportada de trem e o carrego era efetuado nas estações de Carpina e Limoeiro. Eram os tempos da Great Western. Na capital, sempre almoçava com Pompílio e outros comerciantes de prestígio, no Restaurante Leite.

         Durante sua viuvez, quando estava na Fazenda Vertentes em companhia dos pais, Chico Heráclio se absteve de aventuras amorosas, em respeito à memória de Maria Miguel. Porém, quando voltou a Limoeiro começou a ter relacionamentos e conquistas amorosas. Nas suas andanças pelos engenhos de Nazaré da Mata, Chico Heráclio conheceu Virgínia, moça fina e recatada, filha dos proprietários do Engenho Pagi e sobrinha de Herculano Bandeira, então Governador de Pernambuco.

         Francisco Heráclio do Rêgo casou pela segunda vez, em 1911, com D. Virgínia Moraes. Na cerimônia esteve presente a alta sociedade pernambucana, inclusive o Governador, padrinho da noiva. O casal fixou residência em Limoeiro, num pequeno sítio que Chico Heráclio tinha adquirido no Cumbe.

         D. Virgínia, chamada de D. Santa, era mãe extraordinária e uma esposa dedicada, o que muito contribuiu para a escalada do marido ao poder.

         Por essa época, seu irmão Jerônimo adquiriu uma propriedade ao lado de Francisco, em Campo Grande. Os irmãos já possuíam fama de valentes, o que aumentou ainda mais com essa proximidade.

         Francisco Heráclio começou a fazer política apoiado por Dr. Severino Pinheiro, que havia sido eleito senador por Pernambuco. Jerônimo Heráclio também tornou-se político em Surubim e Vertentosa.

         Na década de 1920, o mundo passava por uma grave crise financeira. Para Chico, entretanto, não houve crise. Adquiriu por 90 contos de réis a patente de Coronel da Guarda Nacional. Jerônimo Heráclio comprou a de Capitão, mas era chamado também de Coronel.

         Em 1922, foi eleito Prefeito de Limoeiro, apoiado por Dr. Severino Pinheiro e por Estácio Coimbra, que seria eleito Governador de Pernambuco em 1926, ficando à frente da administração do estado até 1930.

         Em 1924, Chico Heráclio comprou a Fazenda Varjadas, que lhe valeu o título de “Leão das Varjadas”. Comprou também os Engenhos São Roque e Santa Cruz.

         Em 1930, o presidente da nação era Washington Luiz, que lançou como candidato à sua sucessão Júlio Prestes. Houve o pleito, Júlio Prestes ganhou, mas a oposição alegou fraude nas eleições. A confusão começou e a agitação tomou conta do País. A situação piorou quando, em julho, o candidato a Vice-Presidência,
 João Pessoa, foi assassinado.

         Em outubro eclodiu o movimento armado que depôs o Presidente Washinton Luiz. O chefe do movimento vitorioso foi Getúlio Vargas, que havia perdido nas urnas, mas ganhou pelas armas o poder, passando a chefiar a nação até 1934, sem que houvesse uma Constituição.

         Foram nomeados interventores para os estados. Para Pernambuco foi nomeado Carlos de Lima Cavalcanti, que começou a perseguir os partidários do presidente deposto. Dr. Pinheiro, em Limoeiro, começou a sentir os efeitos dos atos do Interventor. Chico Heráclio, na qualidade de braço direito dele, também foi pressionado.

         Com a doença do líder político de Limoeiro, Chico Heráclio assumiu o comando e enfrentou Carlos de Lima. Foi um período difícil.

         Quando entrou em vigor a Segunda Constituição da República, promulgada nesse mesmo ano de 1934, a situação melhorou para o lado do Coronel Chico Heráclio.

         Em novembro de 1937, Vargas revogou a Constituição e declarou a Carta do Estado Novo. Em Pernambuco Carlos de Lima Cavalcanti foi substituído porAgamenon Magalhães.

 Chico Heráclio continuava sem poder, embora durante todo aquele período tivesse somado cada vez mais prestígio junto aos limoeirenses e habitantes de municípios vizinhos. Osvaldo Lima, compadre de Chico Heráclio e amigo pessoal de Agamenon, era quem interferia pelo Coronel, dando boas referências do compadre e amenizando algumas situações.

         Para o período pós-Estado Novo, começaram a ser definidos os chefes políticos dos municípios pernambucanos. Com a saída de Getúlio Vargas, em outubro de 1945, Dr. José Linhares ocupou a presidência; Agamenon Magalhães saiu da Interventoria em Pernambuco e para seu lugar foi escolhido Etelvino Lins, depois substituído pelo Dr. José Neves Filho; José Linhares presidiu as eleições para eleger os Deputados Estaduais e Federais, os Senadores e o Presidente da República, que aconteceram em dezembro de 1945.

         Chico Heráclio aproveitou o prestígio que desfrutava naquele momento e lançou seu filho mais velho Heráclio, como candidato a Deputado Estadual e, a pedido do seu amigo Professor Antônio Vilaça, apoiou Costa Porto para Deputado Federal, fazendo dobradinha com o filho. Ambos foram eleitos.

         Com a redemocratização houve dissidência política na família Heráclio. Chico Heráclio filiou-se ao Partido Social Democrático (PSD) e Jerônimo Heráclio a União Democrática Nacional (UDN). Em Limoeiro, os Arruda, que faziam oposição a Chico Heráclio, se filiaram a UDN e passaram a ser companheiros do partido de Jerônimo Heráclio.

         Os coronéis tinham muito poder, os currais eleitorais eram fechados. A oposição ao PSD ganhava na capital, mas a diferença era tirada quando as urnas do interior eram apuradas.

         Foi na década de 1940 que Francisco Heráclio do Rêgo consolidou seu prestígio e prosperidade. Cercou-se de pessoas inteligentes e de prestígio, passou a se relacionar com mais assiduidade com os homens que detinham o poder em Pernambuco.

         Por outro lado, o patrimônio de Chico aumentou muito, comprou as Fazendas Carié (1941), Serrinha e Grande (1942), Areias, Baixa Verde, Escuro eSanbra, onde residia e perto de Cumarú comprou a fazenda Viração. Seu rebanho era formado por mais de 10.000 cabeças de gado. Na política, elegeu deputado o filho mais velho, e um outro filho, prefeito, em 1947.

         Era o caminho para o apogeu de sua vida, em prestígio, dinheiro e poder, que se estendeu do início da década de 1950,até 1960.

         D. Virgínia Heráclio morreu em 8 de março de 1949. Ao seu enterro compareceram as mais altas autoridades do Estado. Em 1950, morreu Jerônimo Heráclio. Foram duas perdas lamentáveis para o Coronel.

         Durante sua viuvez, Chico Heráclio atingiu o ápice do seu prestígio. O ponto culminante foi o brinde com Agamenon Magalhães em 8 de abril de 1951, quando da inauguração da água encanada em Limoeiro.

         Chico continuou em evidência por mais dez anos, quando então sua vida começou a declinar.

         Depois de dois anos da morte de D. Virgínia, Chico Heráclio casou-se, em cerimônia religiosa simples, com D. Consuelo Salva, uma viúva de 27 anos de idade, mãe de dois filhos do casamento com Severino Salva.

         O casamento não deu certo e D. Consuelo saiu de casa levando o filho Francisco, com então quatro anos de idade, o que foi motivo de muitos desentendimentos dela com o Coronel.

         Chico Heráclio tinha muitos votos e muito prestígio, conseqüentemente podia prejudicar e ajudar muita gente com sua influência. Além de tudo, era muito rico, podendo acionar os mecanismos legais e arbitrários para atingir seus objetivos.

         Possuía grande presença de espírito, raciocínio rápido e uma resposta na “ponta da língua” para cada situação. Era um homem determinado e de coragem. Nunca deixou de cumprir o prometido.

         Francisco Heráclio do ego, coronel Chico Heráclio, o Leão das Varjadas, morreu no dia 17 de dezembro de 1974, com 89 anos de idade.

         Diabético, semiparalítico, com problemas no coração, não tremeu nem chorou, nem na hora final. 



Recife, 17 de dezembro de 2004.
(Atualizado em 9 de setembro de 2009).


FONTE CONSULTADA:

HERÁCLIO, Reginaldo. Chico Heráclio: o último coronel. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1979

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