As plantas são fundamentais para o bem-estar da sociedade humana, pois ajudam o ecossistema a funcionar. Elas também nos fornecem oxigênio, medicamentos, fibras para fazer roupas e, o mais importante, alimento. Das 7.000 espécies de plantas usadas atualmente para agricultura ao redor do planeta, apenas 30 compõem a dieta do mundo. Somente o trigo, o milho e o arroz somam mais da metade do consumo mundial de comida.
Alguma vez você parou para pensar o que aconteceria se
as plantas desaparecessem?
Neste instante, por exemplo, nosso suprimento de trigo está diminuindo. As reservas do mundo têm os índices mais baixos dos últimos trinta anos. O consumo está excedendo a produção e os agricultores estão tendo dificuldade para mantê-las. Mas, os especialistas acreditam que essa tendência é temporária.
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Fazendeiro australiano examina
o trigo, enfraquecido pela seca
Mas, e se não for? E se um desastre natural acabasse com a maior parte do trigo e de outras culturas importantes? Os cientistas acham que encontraram uma solução - os bancos de sementes.
Pense em um banco de sementes como uma caderneta de poupança (em inglês). As sementes são "depositadas" em um armazém seguro com a intenção de serem "sacadas" no futuro quando forem necessárias, ou seja, poderão ser usadas para replantio no caso de certas culturas desaparecerem ou serem destruídas. Quando armazenadas corretamente, as sementes podem permanecer viáveis por décadas ou mesmo por séculos [fonte: Minister of Agriculture and Food (em inglês) - Ministério da Agricultura e Alimentos, da Noruega].
Atualmente há cerca de 1.400 bancos de sementes ao redor do mundo, mas o mais famoso é o Svalbard Global Seed Vault, criado em 26 de fevereiro de 2008. Também conhecido como Doomsday Vault (Cofre do Juízo Final), ele funciona como repositório e cópia de segurança global para todos os outros bancos de sementes [fonte: Mellgren (em inglês)]. O Brasil tem o quarto maior banco genético do mundo, na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), com cerca de 150 mil amostras.
Por que precisamos de bancos de sementes? Quem é responsável pelas sementes? Como elas são estocadas? Leia este artigo para saber por que o armazenamento em bancos de sementes é um investimento no futuro da raça humana.
A vida imitando a arte
O filme de ficção científica de 1972, "Corrida Silenciosa", pinta um futuro estéril em que toda a vida vegetal foi destruída pelos humanos. Apenas algumas espécies de plantas sobrevivem, encerradas em uma estufa em orbita no espaço. O protetor dessa floresta preservada, interpretado por Bruce Dern, acaba lutando com sua própria tripulação para salvar suas queridas árvores. Ele e os robôs Dewey e Huey (que passam a ser seus companheiros de viagem) irão conseguir? Alugue o filme para saber.
Por que os bancos de sementes são necessários?
Embora você possa pensar que o conceito esteja arraigado no movimento "verde" contemporâneo, os bancos de sementes não são um fenômeno novo. Os cientistas acreditam que a agricultura começou por volta do ano 8.000 a.C., nas montanhas da Mesopotâmia (atualmente Iraque). Mesmo naquele tempo, os agricultores perceberam que precisavam proteger as sementes se quisessem garantir a colheita do ano seguinte. Em conseqüência disso, a colheita das sementes foi um dos rituais mais importantes nas antigas comunidades agrícolas. No Iraque, os cientistas descobriram evidências de bancos de sementes em 6.750 a.C. [fonte: Seabrook (em inglês)].
Desde então, bancos de sementes protegeram as sementes das intempéries e dos animais. Hoje, armazenamos sementes por diferentes razões. A principal delas é a diversidade de culturas. Assim como os seres humanos possuem características genéticas específicas, as plantas também. E assim como os seres humanos evoluíram e se adaptaram a condições específicas ao longo do tempo, o mesmo aconteceu com as plantas. Variedades diversas de plantas são adaptadas para finalidades diferentes. Um bom exemplo é o milho, que é cultivado em várias partes do mundo e em climas distintos, o que cria diferentes variedades de milho [fonte: Rosenthal (em inglês)].
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O milho se apresenta em variedades diferentes,
dependendo do clima e da região
Essa diversidade deve ser preservada - não porque precisamos de 50 variedades de pipoca, mas porque não queremos perder nenhuma planta que possa ser valiosa no futuro. Por exemplo, nos anos 70 a disseminação de um fungo cortou pela metade a produção de milho dos Estados Unidos. A praga foi aliviada com o uso de material genético proveniente de um parente selvagem do milho que os cientistas descobriram ser resistente ao fungo [fonte: WWF (em inglês)].
Com exceção da diversidade de culturas, há outras razões pelas quais necessitamos armazenar e preservar sementes.
Mudança do clima - os cientistas estão preocupados que a mudança do clima possa provocar condições de tempo extremas e trazer novas pestes a alguns ambientes. Esses eventos podem fazer com que certas espécies de plantas sejam extintas [fonte: Rosenthal (em inglês)].
Desastres naturais - podem provocar devastação no ecossistema de uma região. Depois que o tsunami de 2004 destruiu arrozais na Malásia e no Sri Lanka, bancos internacionais de sementes supriram os fazendeiros locais com variedades de arroz para que eles recomeçassem o cultivo [fonte: Roug (em inglês)].
Doença - determinadas doenças destroem culturas com rapidez e facilidade. Por exemplo, uma recente variedade de doença chamada ferrugem do caule (Ug99) pode infectar até 25% do suprimento mundial de trigo [fonte: Singh (em inglês)].
Desastres artificiais - podem ser tão devastadores para a vida das plantas quanto os desastres naturais. Um exemplo óbvio seria a guerra. De fato, um dos bancos de sementes vitais para o Iraque foi saqueado durante combate [fonte: Pearce (em inglês)].
Pesquisas - povos nativos usaram plantas para curar doenças durante séculos. Uma em cada seis plantas silvestres é usada para finalidades medicinais [fonte: Levine (em inglês)]. Quem sabe quais doenças a planta ou a erva certa poderia erradicar?
Agora que entendemos por que os bancos de sementes são necessários, vamos descobrir quais sementes ficam armazenadas. Todas as plantas têm um lugar garantido no banco de sementes? Leia a próxima página para descobrir.
A diversidade de culturas e a crise da batata irlandesa
A crise da batata irlandesa dos anos 1840 devastou a população e a economia da Irlanda. Agora sabemos que se a cultura de batata da Irlanda fosse mais diversificada, a crise poderia ter sido evitada. As batatas irlandesas nos anos 1800 eram, em sua maioria, clones genéticos umas das outras e, portanto, sensíveis às mesmas doenças. Se as culturas da Irlanda fossem mais diversificadas geneticamente, certas variedades seriam resistentes à doença, o que poderia ter evitado a catástrofe. Os cientistas desde então encontraram outra variedade na América do Sul que agora é cultivada ao lado das outras batatas [fonte: Understanding Evolution (em inglês)].
Que sementes são armazenadas em bancos?
Um banco de sementes é tão bom quanto as sementes que abriga. Nosso planeta hospeda milhões de variedades de espécies de plantas. Quem decide que tipos de sementes devem ser armazenadas? Todas elas? Somente as "melhores"? Quão completa é a coleção de sementes?
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Pessoa segurando sementes em um campo de soja
Existem cerca de 1.400 bancos de sementes ao redor do mundo, assim as sementes escolhidas para armazenamento variam de um local para outro. Bancos de sementes locais podem focar o armazenamento de flores selvagens nativas ou vegetais especiais. Outros bancos têm um enfoque mais global. Por exemplo, o Global Crop Diversity Trust se concentra unicamente em uma seleção de culturas prioritárias definidas como sendo as mais benéficas globalmente. Essas culturas incluem (mas não se limitam a elas):
maçã
banana
cevada
feijão
cenoura
coco
berinjela
lentilha
milho
aveia
ervilha
batata
arroz
morango
batata-doce
trigo
[fonte: Global Crop Diversity Trust]
O Global Diversity Crop Trust trabalha dentro da estrutura de um tratado destinado a ajudar a conservar a diversidade de culturas pelo mundo inteiro. Esse tratado - Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos de Plantas para Alimentação e Agricultura (PGRFA - International Treaty on Plant Genetic Resources for Food and Agriculture) foi ratificado por 40 governos em 2004 e estabeleceu um sistema global para oferecer a agricultores, reprodutores de plantas e cientistas, acesso a material genético de plantas, como sementes [fonte: PGRFA (em inglês)]. O Brasil ratificou o tratado em 2006.
O PGRFA permite acesso a essas sementes com a finalidade de pesquisa ou de agricultura, desde que os resultados sejam benéficos para todos. Sob a autoridade do tratado, o Grupo Consultivo sobre Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR - Consultative Group on International Agricultural Research) mantém as coleções [fonte: CGIAR (em inglês)]. Todas essas organizações são necessárias porque a tarefa de controlar sementes de cada país do mundo é assustadora e a diversidade de culturas não pode ser mantida adequadamente, a menos que as plantas e sementes sejam coletadas de diferentes regiões.
Nesses bancos de sementes locais e internacionais, as plantas venenosas têm um lugar? A reposta é "sim". Embora pareça perigoso guardar as sementes de plantas venenosas ou invasivas, sempre há a possibilidade de se descobrir novos usos para uma planta. O kudzu, por exemplo, é considerado uma das plantas mais invasivas e destrutivas do sul dos Estados Unidos. Contudo, alguns pesquisadores estão começando a pensar na possibilidade de usá-lo como biocombustível. Se isso for possível, essa trepadeira de crescimento rápido poderia um dia fornecer combustível limpo para nossos carros? Só o tempo dirá [fonte: Gjerstad (em inglês)].
Agora que sabemos que tipos de sementes são armazenadas,
vamos aprender como e em que temperaturas isso é feito.
Como as sementes são armazenadas em bancos?
A coleta, a organização e o armazenamento de sementes varia conforme os recursos do banco. Vamos ver como uma instalação administra sua coleção de sementes para ter uma idéia do processo. As etapas a seguir mostram como o Departamento de Meio Ambiente e Preservação, na Austrália, armazena suas sementes.
Em primeiro lugar, os pesquisadores decidem quais sementes coletar. Em geral eles dão prioridade a plantas ameaçadas.
Após as plantas serem localizadas, começa a coleta das sementes. As sementes são mais viáveis para coleta e armazenamento quando maduras. No caso das frutas, a maioria libera suas sementes quando está madura. Entretanto, algumas plantas irão reter suas sementes por períodos prolongados, o que permite um tempo de coleta mais longo. Outras plantas podem liberar sementes irregularmente e assim requererem a repetição das visitas.
Os pesquisadores coletam as sementes manualmente usando pinças, cortadores de ramos, armadilhas ou redes para sementes e conchas, dependendo do tipo de planta.
Para cada coleta eles registram detalhes como localização, descrição da planta, habitat, tipo de solo e outras informações. Essas informações fornecem dados sobre a população local de plantas e asseguram condições ideais de replantio.
Os coletores designam para cada amostra um número exclusivo.
Os coletores limpam cada amostra para garantir alta qualidade. Pode-se limpar as sementes agitando-as através de uma peneira ou com uma máquina que sopra ar sobre elas.
Para reduzir o teor de umidade, os coletores secam as sementes em uma sala com temperatura e umidade controladas. Posteriormente, colocam as sementes em recipientes vedados, impermeáveis ao ar.
A etapa final do armazenamento é congelar as sementes a menos de 20ºC.
[fonte: Nature Base]
Sementes de difícil armazenagem podem responder melhor à criopreservação - ou armazenagem in-vitro. Por exemplo, a planta da banana não produz sementes, portanto são necessários métodos de armazenagem alternativos. A armazenagem in-vitro significa que tecidos vivos da planta são armazenados em vez de sementes. Depois, os cientistas colocam esses tecidos vivos em nitrogênio líquido (cerca de -196ºC) para garantir melhor armazenagem a longo prazo [fonte: Bioversity International (em inglês)].
Embora a validade varie de cultura para cultura, a maioria das sementes pode sobreviver em armazenagem a frio por décadas e algumas ainda por mais tempo. No fim, entretanto, todas as sementes morrerão, mas antes que isso aconteça, os cientistas removem as sementes da armazenagem e as plantam para colher e rearmazenar sementes frescas.
Com todas essas sementes em estoque, quem é proprietário delas? Normalmente os proprietários dos bancos de sementes controlam suas próprias sementes. Mas no caso do Cofre de Svalbard, na Noruega, os depositantes retêm os direitos de posse das sementes que depositam [fonte: Svalbard FAQ (em inglês)]. Naturalmente, esses direitos de propriedade não impedem um país de emprestar sementes a outro país em necessidade.
DNA das plantas
Um organismo geneticamente modificado (OGM) é um organismo - neste caso uma planta - que teve seu DNA alterado para a obtenção de um produto diferente ou melhorado. Oponentes das culturas de OGMs alegam que os cientistas sabem pouco sobre os efeitos a longo prazo. Os patrocinadores destacam que os agricultores vêm modificando geneticamente as culturas durante séculos, por meio de enxertos e híbridos [fonte: Pogash (em inglês)]. Atualmente, o Cofre de Svalbard proíbe a armazenagem de plantas geneticamente modificadas, mas o real conceito de diversidade de culturas e bancos de sementes permite acesso à criação contínua de OGMs. Assim, no caso de Svalbard, parece que ambos os lados ganham [fonte: Svalbard FAQ (em inglês)].
A seguir, veremos mais de perto o "Cofre do Juízo Final", juntamente com outras instalações de bancos de sementes ao redor do mundo.
Bancos de sementes ao redor do mundo
Como explicado anteriormente, há mais de 1.000 bancos de sementes por todo o mundo. Obviamente não há como examinar cada um aqui, então vamos focar alguns dos principais.
O Svalbard International Seed Vault - também conhecido como o cofre do juízo final - foi aberto para armazenagem em fevereiro de 2008. Ele está localizado na encosta de uma montanha ártica congelada em Longyearbyen, Noruega e pode resistir a qualquer desastre, de bombardeios a terremotos. O Global Crop Diversity Trust e o Grupo consultivo sobre pesquisa agrícola internacional (CGIAR) trabalharam juntos para coletar e organizar amostras de bancos de sementes em todo o mundo para serem estocadas no cofre subterrâneo. Os pesquisadores escolheram sua localização - remota, porém acessível - devido ao clima e à geologia do local, ambos ideais para armazenagem a frio [fonte: Fowler (em inglês)].
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Um funcionário do Instituto Internacional de Pesquisa do Arroz (IRRI) classifica sementes de arroz antes da armazenagem sob congelamento no banco de germoplasma de arroz do IRRI em Laguna
Em vez de atuar como um repositório ativo de sementes, o Cofre do Juízo Final é um sistema global de cópia de segurança para os recursos vegetais do planeta. As sementes no cofre são armazenadas sob o sistema "caixa preta", significando que supervisores do cofre nunca irão abrir ou testar nenhuma das embalagens de sementes. Na verdade, a segurança é tão estrita que nenhuma pessoa possui individualmente todos os códigos necessários para entrar no cofre [fonte: Rosenthal (em inglês)]. A responsabilidade pelas substituições e adições repousa unicamente na organização que forneceu as sementes pela primeira vez [fonte: Global Crop Diversity Trust (em inglês)]. Todos os principais bancos contribuíram com sementes, inclusive todos os bancos operados pelo CGIAR [fonte: Svalbard FAQ (em inglês)].
O governo norueguês financiou a construção do cofre e o Global Crop Diversity Trust é responsável pelos custos operacionais anuais [fonte: Svalbard FAQ (em inglês)].
O Projeto banco de sementes do milênio (MSBP) está localizado nos Jardins Botânicos Reais, em Kew, Reino Unido. Seu objetivo final é armazenar e proteger mais de 24 mil espécies globais de plantas. Atualmente eles armazenam amostras da população de plantas inteira do país, inclusive várias centenas de espécies ameaçadas de extinção [fonte: Millennium Seed Bank Project Fact Sheet (em inglês)]. O MSBP colabora com outras organizações de armazenagem de sementes ao redor do mundo compartilhando informações ou dando assistência na coleta. As sementes permanecem em seu país de origem, mas o MSBP armazena um espécime por segurança [fonte: MSBP (em inglês)].
Doações do público e de corporações, bem como subvenções e dotações,
financiam o MSBP [fonte: MSBP (em inglês)].
O Vavilov Institute of Plant Industry foi fundado em 1894 em São Petesburgo, Rússia e é o banco de sementes mais antigo do mundo. Nikolai Vavilov, que deu o nome ao instituto, foi um biólogo e reprodutor de plantas russo. Vavilov foi um dos primeiros cientistas a compreender a importância da diversidade de culturas e desempenhou um papel principal na conscientização da importância da preservação genética. O instituto é a única instalação desse tipo na Rússia. Sua coleção global contém centenas de milhares de exemplares [fonte: VIR (em inglês)].
Recentemente o instituto esteve carente de fundos e recebeu subvenções no passado do Global Crop Diversity Trust [fonte: Global Crop Diversity Trust (em inglês)].
Abaixo está uma amostra de outros bancos de sementes ao redor do mundo.
Jardim botânico de Berry (Portland, Oregon) - sementes de plantas em ameaça de extinção do noroeste do Pacífico.
Centro Internacional para a Agricultura Tropical (Coli, Colômbia) - mandioca, fenos, feijões.
Centro Internacional da Batata (Lima, Peru) - batatas.
Instituto Internacional para a Agricultura Tropical (Ibadan, Nigéria) - amendoim, feijão-de-vaca, soja, inhame.
Instituto Internacional de Pesquisa do Arroz (Los Banos, Filipinas) - arroz.
Banco de Recursos Genéticos e Biotecnologia da Embrapa (Goiás, Brasil)
[fonte: CGIAR]
fonte : ciencia.hsw.uol.com.br